A ascensão de Bolsonaro (e do bolsonarismo) trouxe consigo uma nova conjuntura política essencialmente conservadora e centrada nos pilares do Estado Mínimo neoliberal. Em tese nenhuma novidade.

Ocorre que o conservadorismo e o neoliberalismo andaram de mãos dadas desde a redemocratização, período em geral mais neoliberal (pauta prioritária) que conservador.

Em 2018 o cenário se manteve, mas os polos se inverteram. A centralidade do conservadorismo radical se sobrepôs ao discurso econômico e tem alimentado as hostes neofascistas de várias matizes.

É compreensível: o desmonte no último período foi geral e, em que pese a resistência dos movimentos sociais, derrubou ao máximo as rugosidades que dificultavam a livre circulação de mercadorias, como salários regulares, direitos trabalhistas, legislação ambiental, privatizações, etc.

De forma não linear o Brasil foi transferindo ao capital a gestão de vários setores da economia agora monopolizada, desnacionalizada, financeirizada e de baixo valor agregado.

Miséria, analfabetismo funcional, serviços públicos precários, fome, desemprego, baixos rendimentos não são pontos fora da curva ou incompetência de gestão, mas elementos constituintes de um projeto da elite nacional desejoso em ganhar muito, rapidamente, com pouco esforço acompanhada de forte proteção estatal e polpudos subsídios.

Exibicionismo e ostentação são o máximo que a elite nacional consegue chegar em seu projeto de vida, não de nação.

Feito o serviço na economia, ganha espaço o conservadorismo e é neste terreno que Bolsonaro navega com certa desenvoltura. É verdade que chama a atenção a maneira como se sustentam as velhas e desbotadas ideias de combate à corrupção, contra a esquerda e de repúdio à diversidade social.

Uma sucessão de posições políticas desconexas, pensamentos rasos, muita fake news e explicações estapafúrdias da realidade para justificar uma ideologia que não se sustenta ao primeiro debate sério e abrangente.

Mas é ai que está o pulo do gato: enquanto o debate se desenrola no campo da opinião e da superficialidade é impossível aprofundar qualquer tema. Experimente discutir que a China não inventou um vírus, lutar contra o racismo não é ser racista e que a violência contra a mulher não é mimimi.

A fábrica de bobagens é profícua e funciona 24h. A cada dia uma nova bizarrice. Às vezes mais que uma no mesmo dia.

Papos familiares, debates nas redes, rodas em bares, enfim, em espaços de gente conhecida tem sempre um boca de esgoto que expõe as ideias mais infames e estúpidas sem o menor constrangimento. A primeira reação é a vergonha alheia, a segunda de repúdio e a terceira de silêncio para não estragar o ambiente.

Mas é importante observar esta conjuntura num plano de fundo mais amplo e é aí que entra Gramsci. O capitalismo passa por uma transição nos processos produtivos e na circulação. Não precisa mais de grandes mercados consumidores nem de massas amplas de mão de obra. Jovens são dispensáveis e a economia se desenvolve em ilhas de prosperidade. Nada de crescimento amplo, generalizado e que envolva os trabalhadores.

A classe média míngua e olha pra baixo quando descarrega sua raiva social por estar numa situação pior que as gerações anteriores, com menos estudo e mais salário e qualidade de vida. Alguma coisa está errada. O fascismo está aí para mostrar que os pobres puxam seus pés e não que os ricos se apropriaram de seus ganhos de outrora.

O conservadorismo veio pra ficar e estará presente enquanto durar esta transição entre a modernidade e o que vai ocupar seu lugar. Será a pós modernidade nada mais que uma transição?

Por isso vale a pena resgatar uma frase do Sardenho que considero exemplar para a conjuntura que vivemos.
“A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem.”

Viva Toninho Gramsci.